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Realizadora francesa apela à união contra o racismo da extrema-direita

A realizadora francesa Alice Diop constituiu um colectivo cujo objectivo é apelar ao voto dos mais jovens nas eleições legislativas antecipadas em França do próximo dia 30. Quer que saiam da abstenção e se mobilizem contra o “racismo desenfreado” que se tem sentido no país e o aumento da extrema-direita.

“Olá, chamo-me Alice Diop e não me tenho sentido bem desde as eleições. E não sou a única. Muitos de nós estão assustados. Gostaria de vos falar de um grupo que acaba de ser criado”. Foi a mensagem de voz deixada por Diop ao grupo de amigos, artistas e figuras culturais francesas, que começou a discussão. Em entrevista ao jornal francês ‘Libération’, a realizadora explicou o medo e a revolta que estão na origem do colectivo.

Depois dos resultados das eleições europeias, no dia 9 de Junho, o Presidente francês Emmanuel Macron, dissolveu a Assembleia Nacional e convocou eleições legislativas antecipadas. Diop assume que nessa noite “não conseguiu dormir”. Quatro dias depois, enviou a primeira mensagem e nasceu o colectivo.

“Nous, en vote!” (Nós votamos, na tradução portuguesa) quer retirar da abstenção jovens racializados e que vivem em bairros sociais e de classes trabalhadoras, a mesma realidade em que Diop cresceu. A realizadora defende que, para estas pessoas, o aumento da extrema-direita no país “é uma questão de vida ou de morte.”

Segundo a realizadora francesa, as campanhas eleitorais não sabem abordar a questão do racismo sistémico em França. “O racismo está tão espalhado, tão partilhado, mas de uma forma tão escondida, como se tivesse desaparecido”, declara na entrevista. “Há um elefante na sala que ninguém quer ver”, acrescenta.

Na campanha, o “elefante” que propaga o racismo tem nome: União Nacional. Segundo as sondagens, o partido de extrema-direita de Marine Le Pen será o grande vencedor das eleições de dia 30 de Junho e 7 de Julho, com mais de 30% das intenções de voto. A campanha da União Nacional tem sido marcada pela promessa de severas políticas anti-imigração.

Porém, para Diop, “não é suficiente dizer que a União Nacional é um partido xenófobo”, é preciso compreender o que é um partido xenófobo e porque é que o partido de Le Pen se enquadra nesta descrição. “Ouço diferentes análises sobre a motivação do voto na União Nacional, há muitas coisas que se dizem. Mas qual é o denominador comum de todas estas pessoas? É o racismo, é uma visão do mundo, uma vontade de regressar a uma certa ideia de França, um passado de fantasia onde eu seria vista como um estrangeiro, um inimigo”, argumentou a realizadora.

Racismo escondido

Diop quer contrariar a tendência sistémica. Para isso, fala directamente com as pessoas que, como ela, serão mais afectadas pelas políticas da extrema direita e pelo discurso racista. Como mulher negra, assume que a sua identidade é uma parte inescapável de todas as suas vivências.

“Quando és uma mulher negra em França, toda a tua vida é moldada pela forma como reages a microagressões racistas que experiencias em todo o lado: em interacções íntimas, sociais e profissionais.

Não há um espaço onde não sejas obrigada a encontrar estratégias para resistir à caixa em que as pessoas te querem colocar”, explica, partindo da sua experiência.

É também desta experiência que parte a arte da realizadora: críticas sociais que põem a nu o “racismo escondido” e outros problemas da sociedade francesa. A sua obra é reconhecida no país pelo seu valor social e documental. Mas o reconhecimento também é internacional.

Em 2022, a longa metragem, Saint Omer, baseada em acontecimentos verídicos, valeu-lhe o segundo lugar na principal competição da Bienal de Veneza. No mesmo ano, foi escolhida por França como candidata ao Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Apesar de não ter conseguido a nomeação, foi a primeira mulher negra a representar o país na corrida à estatueta dourada.

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