Tribunal Constitucional valoriza a independência do Sistema Judicial
O jurista Moreira Lopes considerou, neste sábado, importante a posição do Tribunal Constitucional (TC) sobre a inconstitucionalidade do Decreto Presidencial 69/21, argumentando “que, além de passar uma mensagem positiva à sociedade, ajuda a consolidar a independência deste órgão judicial”.
Em declarações ao Jornal de Angola, o também académico da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola sustentou que o TC dá um alento aos cidadãos, no sentido de confiarem mais no Sistema Judicial e no resultado produzido pelos seus órgãos, ao abrigo do princípio da separação de poderes.
Moreira Lopes, reagindo à declaração do TC sobre a inconstitucionalidade do Decreto Presidencial que atribuía 10% aos órgãos da Administração da Justiça, no âmbito dos activos financeiros e não financeiros recuperados por si, disse tratar-se de uma medida “perfeitamente normal, sendo um elemento fundamental para a compreensão da relação entre os poderes”.
“Podemos interpretá-la como um sinal de credibilidade às instituições, em particular ao Tribunal Constitucional”, ressaltou o jurista. “Os tribunais têm uma missão e, muitas vezes, julgamos as instituições por aquilo que fazem, ou por aquilo que deixam de fazer”, realçou.
O professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica acrescentou, a propósito, que o plenário do Tribunal Constitucional, ao tomar tal posição, mediante a apreciação de uma acção interposta pela Ordem dos Advogados de Angola, consolidou a ideia segundo a qual os juízes devem obediência à Constituição, à Lei e à sua consciência.
“Não há qualquer tipo de problema ou crispação entre o órgão judicial e o Poder Executivo, antes pelo contrário”, sustentou, esclarecendo que o próprio Poder Executivo também tem que obedecer e as decisões dos tribunais devem ser cumpridas por todos.
“Em primeiro lugar, há aqui uma obrigação. Mas, quando há uma perspectiva de ajudar ou financiar o fortalecimento da Justiça, existem outros mecanismos para fazê-lo, desde que não coloquem em causa a construção do Estado Democrático e de Direito”, reforçou Moreira Lopes.
Neste sentido, disse que “não há qualquer problema, mas sim uma mensagem positiva que o Tribunal Constitucional passou e que deve ser acatada pelo Executivo e demais órgãos do Estado”.
A título de exemplo, Moreira Lopes recordou que, em Julho de 2017, o Tribunal Constitucional tomou uma decisão parecida, quando declarou inconstitucionais as normas constantes no Decreto Presidencial relacionado com o regime jurídico das Organizações Não-Governamentais.
Decisão preserva a força dos tribunais
Por sua vez, o advogado Vicente Pongolola é de opinião que o Decreto Presidencial 69/21 estava em desacordo com o que é atendível no Estado de Direito e Democrático, e, a continuar, tiraria aos tribunais a capacidade de independência e objectividade.
“A continuidade do Decreto tiraria aos tribunais a capacidade de independência e objectividade, na medida em que os mesmos seriam tribunais em causa própria”, tendo destacado, a seguir, o facto da norma ter sido declarada inconstitucional.
Confrontado com a importância da decisão no quadro da independência do Sistema Judicial, o advogado referiu que, de forma isolada, não é suficiente para “ferir a independência do Sistema Judicial”. Vicente Pongolola sublinhou que era “expectável”, alegando que “pior seria se a decisão não fosse esta”.
Quanto ao efeito prático da decisão, explicou, socorrendo-se do fundamento do Tribunal Constitucional, com base no princípio da equidade e da segurança jurídica, que os factos já consumados manter-se-ão, ou seja, “todo o património que já ingressou, quer na esfera do Ministério Público quer dos tribunais, há-de ficar por lá”.
Acrescentou que o Acórdão não retira os efeitos já produzidos. “Aquele património há-de permanecer nos órgãos de Justiça. Mas daqui para a frente não haverá mais o benefício dos 10 por cento, porque colocava em causa o Estado de Direito e Democrático, a independência e a imparcialidade dos tribunais”.
Neste aspecto, o advogado realçou que o Tribunal Constitucional considerou que não deveria atribuir efeitos retroactivos, porque “senão atrairia algumas consequências sobre o património que já ingressou na esfera jurídica quer do Ministério Público quer dos tribunais”.
Vicente Pongolola considerou a medida atendível por entender que, de alguma forma, criaria este embaraço, e pelo facto da própria Constituição da República, nos termos da lei, conferir ao TC, neste caso, a faculdade de fixar os efeitos da inconstitucionalidade.
Sobre o alcance, referiu que pode ser mais amplo ou mais restrito, e, no caso concreto, o Tribunal Constitucional “achou por bem dizer aquilo que já foi decidido antes da Declaração de Inconstitucionalidade da norma que atribui os 10 por cento”. “Esses efeitos mantêm-se, mas daqui em diante não haverá situação de benefício”, sublinhou.
O Tribunal Constitucional, reafirmou, esteve bem, assim como a Ordem dos Advogados de Angola, que alertou o TC sobre a inconstitucionalidade.
Papel do Tribunal Constitucional
Em relação ao facto de muitos cidadãos questionarem por que razão o Tribunal Constitucional agiu somente agora, o advogado Vicente Pongolola esclareceu que o TC, tal como qualquer outro tribunal, é um órgão passivo. “Quer dizer, para tomar decisões, relativamente a um dos casos previstos na Lei do Processo Constitucional, necessita de um impulso processual das partes com legitimidade para requerer tal procedimento”, pontualizou.
“O Tribunal Constitucional toma decisões na sequência de um impulso ou de um pedido. Não pode, por si mesmo, decidir sem que lhe seja solicitado”, esclareceu.
Nesse sentido, nos termos da Constituição, prosseguiu, a fiscalização abstracta sucessiva só pode ser requerida pelo Presidente da República, deputados à Assembleia Nacional, Grupos Parlamentares, procurador-geral da República, provedor de Justiça e a Ordem dos Advogados de Angola.
“A solicitação para a fiscalização abstracta sucessiva não tem prazos e pode ser solicitada a qualquer momento, enquanto as normas vigorarem na ordem jurídica angolana”, concluiu o advogado.