O outro lado de Rita Lee
Rita Lee, considerada a rainha do rock brasileiro, que morreu antes de ontem, dia 08, em São Paulo, sua terra natal, na sequência de complicações provocadas por um cancro no pulmão, tinha um lado bem menos conhecido, mas igualmente de sucesso: o de escritora.
Rita escreveu 10 livros, incluindo duas autobiografias e seis obras dedicadas ao público infantil. Rita não hesitou em fazer dos livros mais um espaço para derramar a sua verve brilhante, debochada, inteligente e de um humor excepcional.
Na sua “Uma Autobiografia”, publicada em 2016, Rita conta que enfrentou situações-limite como uma agressão sexual na infância, com uma tesoura, por um estranho que viera a casa dos pais consertar uma máquina de costura; a dependência de álcool e drogas; acidentes; a prisão, nos tempos da ditadura militar. Mas também muitos momentos de felicidade que ela igualmente descreve, na sua escrita clara e impiedosa, salpicada de ironia, humor e amor.
Outra biografia, a segunda depois de “Uma autobiografia”, publicada originalmente em Novembro de 2016, chega às livrarias brasileiras a 22 de Maio próximo, sendo uma espécie de actualização. Nela, Rita fala sobre o cancro no pulmão, diagnosticado quando em 2021, quando a pandemia de Covid 19 assolava o planeta.
“(…) quando decidi escrever Rita Lee: Uma autobiografia (2016), o livro marcava, de certo modo, uma despedida da persona Rita Lee, aquela dos palcos, uma vez que tinha me aposentado dos shows. Achei que nada mais tão digno de nota pudesse acontecer em minha vidinha besta. Mas é aquela velha história: enquanto a gente faz planos e acha que sabe de alguma coisa, Deus dá uma risadinha sarcástica”, avisa a artista no início do livro do novo livro.
Em “Storynhas”, uma parceria com Laerte, Lee aborda igualmente os tratamentos a que foi submetida, mas de outro, de quando fez uma mastectomia preventiva, já que tinha 87% de probabilidade de desenvolver cancro de mama. Era com humor ácido que ela olhava para si mesma. “Minha futura autobiografia autorizada por mim mesma contará situações fakes baseadas em factos reais”, dizia. “Relendo minhas escrevinhações twittêscas nonsense de 4 anos p/cá, entendi porque vários twittietes me chamavam de “velha oca drogada”, afinal, eu fazia twitterapia às custas de caridade de quem me amava”, continua.
Na autobiografia de 2016, Rita revisitou a história dos Mutantes e a sua trajetória na música. Confessou que tinha encontrado paz na meditação e que não queria ser criticada por ter mudado de estilo de vida e imaginou a própria morte. “Quando eu morrer, posso imaginar as palavras de carinho de quem me detesta”, escreveu.
No mesmo relato, a cantora olha para o próprio deboche como uma espécie de salvação. “Dói mais sorrir na frente dos outros do que chorar sozinha, mas não devo levar a vida tão a sério, porque ninguém sai dela vivo. Debochar de mim mesma é uma estratégia que sempre dá resultado positivo. Uma das coisas que mais me dão prazer é fazer o que não devo, tipo fumar na frente de quem faz campanha anti-cigarro”.
Rita Lee também era uma leal protetora dos animais e dedicou os últimos anos de vida à luta pelos direitos dos animais. Eles são os protagonistas de suas histórias infantis. Dr. Alex, personagem de quatro livros, é um ratinho que combate os bandidos, quer salvar a Amazónia, tenta resgatar um cristal mágico, viaja até ao espaço e faz miséria ao lado da vovó Ritinha. Em “Amiga Ursa”, Rita conta a história da ursa Marsha, que veio parar ao Brasil depois de sofrer maus-tratos em circos e jardins zoológicos.