Tunísia – imbróglio em torno de um projeto de lei que criminaliza a normalização com Israel
A lei deveria ter sido aprovada sem problemas, mas não foi isso que aconteceu. A mesma previa penas de prisão pesadas – 6 a 12 anos – para qualquer tunisino que entrasse em contacto com um israelita ou uma instituição do Estado hebreu. No entanto, quando o projeto de lei começou a ser debatido na Assembleia Nacional, no final da semana passada, algo inesperado aconteceu. O Presidente Kaïs Saïed anunciou que se opunha à adopção desta lei.
“A normalização é uma traição suprema”. Enquanto defendia fervorosamente a lei que criminaliza a normalização com Israel – referido como “entidade sionista” no texto tunisino – o presidente da Assembleia surpreendeu todos ao fazer a seguinte declaração aos deputados: “Tomo a liberdade de vos informar o que o presidente acaba de me dizer: este projecto de lei vai prejudicar os interesses externos da Tunísia.”
A estupefação foi geral na Assembleia porque Kaïs Saïed nunca escondeu a sua oposição declarada a Israel. Nos discursos inflamados, que lhe granjearam uma certa notoriedade em Gaza, nunca deixou de reiterar a sua opinião clara sobre o assunto.
Depois da tempestuosa sessão na Assembleia, fez questão de reiterar a sua posição: “Hoje, estamos numa guerra de libertação e não de criminalização”, explicou o Presidente tunisino. Qualquer pessoa que colabore com o inimigo sionista é um traidor. Só nos contentamos com duas coisas: a vitória ou o martírio. Esta é uma guerra que travamos ao lado de todos aqueles que estão empenhados na liberdade no mundo. A libertação não se faz com textos e desejos piedosos.”
Agora, o projeto de lei deverá ser reapreciado esta semana pelos deputados tunisinos, o que poderá provocar um confronto inesperado com o chefe de Estado.
Esta é, sem dúvida, uma crise do regime, a primeira desde que o mesmo foi instalado. Kaïs Saïed foi eleito em 2019 – mesmo antes do seu golpe de força em 25 de Julho de 2021 – com a promessa de combater a normalização com Israel, descrevendo-a como um “crime de alta traição”, mas nunca quis legislar, mesmo quando tinha plenos poderes legislativos. Dado que o seu Parlamento é de origem nacionalista árabe – há muitos deputados nacionalistas árabes – e tendo em conta os massacres que estão a ocorrer actualmente em Gaza, os deputados quiseram acelerar a votação desta lei sem consultar o Presidente da República.