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Filipe Zau: “Queremos tornar o turismo cultural num produto forte e sustentável”

O ministro da Cultura e Turismo, Filipe Zau, esteve esta semana em Lusaka, capital da Zâmbia, onde acompanhou o descerramento de do busto do Presidente Agostinho Neto e aproveitou a visita para promover um encontro de concertação com o homólogo zambiano, Rodney Sikumba. Em entrevista ao Jornal de Angola, o ministro angolano garantiu que o Executivo pretende, na prática, implementar uma outra dinâmica ao sector, visando a diversificação económica.

As relações bilaterais entre Angola e Zâmbia saem mais fortalecidas depois do encontro de concertação promovido esta semana na cidade de Lusaka. O que abordou com o homólogo zambiano, Rodney Sikumba?

Sim, penso que foi um momento muito interessante, porque vem no fundo no seguimento do encontro em Luanda entre os Presidentesm João Lourenço e Hakainde Hichilema. O encontro mostrou a vontade política do país querer mudanças nas relações diplomáticas e permitir que na prática o Memorando existente tenha uma outra dinâmica na troca de serviços para se tirar melhor partido dos aspectos culturais e do turismo em prol do desenvolvimento das duas nações.

Podemos dizer que do ponto de vista cultural o encontro de concertação clarificou melhor alguns assuntos pendentes?

Foi muito importante porque podemos, numa primeira fase, debater questões que têm a ver com a herança histórica que liga as duas culturas, que vêm do período dos países da Linha da Frente e que podemos associá-los no sentido da presença da forte diáspora na Zâmbia, bem como do papel que este país teve em prol da independência de Angola. Podemos recordar que a Zâmbia foi dos primeiros países em África a tornar-se independente na década de 1960. No tempo do Presidente Kenneth Kaunda, o nosso país recebeu um forte apoio dos nossos irmãos zambianos, o que ajudou a conseguir a nossa autonomia política. É importante realçar que todos esses aspectos culturais e históricos têm a ver com o facto de partilharmos grupos étnicos e linguísticos, como os Luvualu, cujo reino está em Angola, mas também tem uma parte extensiva no território zambiano. Existem outros aspectos culturais que estão a ser analisados, como é o caso da Sona, escrita na areia, que queremos também tornar um património cultural da humanidade. A Sona existe nos dois lados da fronteira e podemos realizar um trabalho conjunto que pode ser utilizado para o mesmo efeito.

A questão linguística também é um dos assuntos que foi abordado durante o encontro. O que se pode esperar dos dois países?

Essa é uma preocupação que o nosso país precisa de começar a ter uma outra dinâmica na valorização permanente das línguas nacionais, porque os nossos vizinhos zambianos valorizam muito as línguas nacionais locais e estamos a trabalhar para aprovar as leis das línguas de Angola, quer sejam de origem africana ou europeia. No entanto, podemos aproveitar a experiência dos nossos vizinhos a nível da promoção e divulgação das línguas nacionais que fazem convívio com as línguas oficiais dos dois povos, no caso o inglês para os zambianos e o português para os angolanos. Poderá ser uma forma de conhecermos boas práticas para podermos implementar em Angola, que tem como objectivo promover o respeito pelo património imaterial da humanidade sobre os desenhos Sona e as próprias línguas. Temos que valorizar mais as línguas maternas por fazerem parte do nosso património. A UNESCO tem um dia reservado às línguas maternas para que elas continuem vivas. O importante é que o património não morra, por carregar informações do ponto de vista patrimonial e cultural.

O turismo é uma das formas de ajudar a promover a diversificação da economia angolana. Até que ponto poderemos tirar um maior proveito das relações bilaterais entre os dois povos?

A minha ida à Zâmbia, embora estivesse mais voltada para o acompanhamento do descerramento do busto do primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto, serviu exactamente para aproveitar manter um diálogo de concertação com o homólogo zambiano, Rodney Sikumba. A questão que me coloca e muitas outras estão por se fazer acontecer em prol da dinamização que se pretende com a diversificação da economia nacional. O turismo é uma fonte de diversificação, porque viabiliza a entrada de divisas e cria empregos para a juventude. Quando pensamos em turismo, precisamos ter em conta também alguns aspectos importantes na sua dinamização, quer o praticado no litoral, quer no interior do país, como o acesso à água, energia, saneamento básico, policiamento, vias de acesso, facilitação dos vistos, domínio das línguas estrangeiras e a formação e capacitação de quadros angolanos.

O que o Ministério tem feito para criar condições para a resolução de alguns destes aspectos importantes para se alavancar o turismo no país?

O Ministério da Cultura e Turismo criou uma Direcção de Formação para a Cultura e Artes, bem como para os Assuntos Artísticos, porque a cultura e o turismo estão ligados. Defendemos que o turista não deve simplesmente ficar no hotel a ver televisão, mas deve ter uma maior interacção com a cultura dos povos. O turista deve conhecer os museus e precisamos trabalhar muito nesse quesito. Tivemos recentemente alguns quadros no Ministério a fazer formação em França no âmbito da parceria existente entre os dois países aquando da nossa deslocação àquele país para fazer a entrega ao Governo francês de duas esculturas do século XVIII, que se encontravam na Embaixada de Angola em França. Neste encontro foi igualmente firmado o quadro de cooperação cultural entre os dois países, por um período de 5 anos, com a ministra da Cultura da República Francesa, Roselyne Bachelot Narquin, no Castelo de Versailles. Ele abrange vários sectores como o património, criação artística, indústrias culturais e criativas – e encoraja os diferentes sectores em causa a desenvolver programas de cooperação e intercâmbio de peritos e de boas práticas. É nesse espírito que o turismo vai procurar criar condições para a implementação do Museu das Artes no país. Temos vários outros atractivos como as danças, o turismo científico, ecológico, sustentável, desportivo e de aventuras que precisam ser desenvolvidos para se poder tirar maiores rendimentos.

O país tem estado a perder muito dinheiro pelo facto de ter um potencial que tem sido pouco explorado?

É verdade. O turismo é essencialmente uma actividade empresarial e os empresários nacionais estão a apostar pouco neste sector. Temos contactos com a Associação dos Hotéis e Resorts de Angola (AHRA), onde demos a conhecer algumas dificuldades do sector. Acreditamos que muitas das preocupações são superadas à medida que vão ser feitos os investimentos e seria bom que os investidores nacionais apostassem um pouco mais, para não ficarmos muito dependentes dos investidores estrangeiros. Por exemplo, a Espanha, que também se disponibilizou para cooperação com Angola, 11 por cento do Produto Interno Bruto vem do turismo. São preocupações que devemos melhorar, porque parte dos empregos gerados por essa cadeia directa ou indirectamente é promovida por via do turismo. A nossa visita à Zâmbia intensificou as relações no sector cultural e das boas práticas. Estamos a criar condições para a assinatura de um Memorando no âmbito do turismoe formação cultural ainda este ano. Estão a ser analisados todos os pontos, fundamentalmente por existir vontade política entre os dois países. A visita permitiu alguns esclarecimento e concertações sobre o Projecto Transfronteiriço Turístico Okavango /Zambeze (KAZA), uma iniciativa regional de Angola, Botswana, Namíbia, Zâmbia e Zimbabwe, todos Estados membros da SADC. A ideia é torná-lo num dos maiores do mundo, em termos de potencial turístico. A Agência Nacional para a Gestão da Região Angolana do Okavango (ANAGERO) vai ajudar a criar outro dinamismo na região, sobretudo na melhoria da circulação de pessoas e bens nas principais áreas de interesse turístico na região do Buabuata/Luiana /Jamba e Mucusso/Licua. Por exemplo, Cabo Ledo, uma zona privilegiada, ainda precisa ver melhorias no acesso à água e energia, o que encarece a actividade turística naquela região. Precisamos colocar à disposição dos empresários outras condições, para que o desenvolvimento do sector seja o mais eficiente. O Estado angolano está a trabalhar e a procurar as melhores formas de potencializar o turismo no país.

A mensagem que se transmitiu ao homólogo zambiano é de que o país pretende tornar as relações bilaterais mais profícuas e produtivas?

Naturalmente. É uma intenção de tornar as relações muito mais produtivas em benefício do aumento de divisas para sustentar a economia no país e fomentar o desenvolvimento económico na região. Todos esses esforços vão permitir melhorar as condições de vida das comunidades. Precisamos cooperar em prol do desenvolvimento regional, sobretudo por estarmos ‘condenados’ pelas convivências culturais entre os povos. Temos pessoas que partilham as mesmas línguas e devemos começar a tirar vantagens sobre o assunto.

Devido a essas similitudes já se pensou na criação de um festival regional para congregar todos esses valores culturais e permitir uma maior troca de experiências entre os povos?

Existe anualmente naquela região o Festival Internacional Tradicional Luvale, que tem sido acompanhado pela Rainha Nhakatolo Chilombo, na vila de Cazombo, município do Alto Zambeze, no Moxico, que tem constituído uma amostra da preservação e transmissão da cultura do seu povo que é extensivo ao território zambiano. Há populações na fronteira entre os dois países que falam as mesmas línguas. O festival Luvale, à semelhança do FestKongo, são formas de promoção dos costumes locais. Devemos pensar uma cultura de desenvolvimento como fonte de geração de receitas para o PIB. Queremos sentir os resultados, mas é importante esclarecer que nesse tipo de investimento os benefícios são a longo prazo, diferente dos comerciantes normais. Precisamos entrar na agenda do turismo regional e internacional como estão a Namíbia, Zâmbia, Zimbabwe, Botswana, Quénia e África do Sul, que já fazem parte de uma agenda conhecida, onde os turistas já sabem o que vão encontrar. Queremos entrar nesse mercado, aprendendo como se deve fazer, os benefícios e procurar atrair os investidores. A nossa vantagem é o facto de o país ter uma extensa costa marítima.

Os parques nacionais devem ser melhor explorados para o fomento do turismo rural ou selvagem?

Os parques nacionais são sobretudo de conservação das espécies, mas é possível sim procurarmos outras formas de torná-los mais atractivos. Por exemplo, precisamos de criar melhores condições técnicas para que os guardas dos parques, que têm a missão do patrulhamento, actuem com maior eficácia sobre os caçadores furtivos, para se evitar a extinção das espécies animais e a devastação florestal. Precisamos criar melhores condições para esses profissionais, que têm famílias por sustentar. Só assim estaremos a permitir que possam ser melhor protegidos os nossos parques. Podemos criar pacotes de acessos a visitas aos parques que iriam permitir criar uma outra dinâmica ao turismo sustentável. Queremos rever a Lei do Turismo no país para permitir a sua própria sustentabilidade.

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