
Carolina Cerqueira exorta mulheres parlamentares a liderarem reforma legal para erradicar casamentos infantis em Angola
A Presidente da Assembleia Nacional, Carolina Cerqueira, defendeu hoje, em Luanda, uma acção legislativa firme e coordenada das deputadas no combate aos casamentos prematuros e à violência baseada no género. A dirigente apelou à revisão urgente do Código da Família e à criminalização de práticas que atentam contra a dignidade e os direitos das crianças angolanas.
Leia na íntegra, abaixo, o discurso da Presidente da Assembleia Nacional:
Senhora Presidente do Grupo de Mulheres Parlamentares,
Senhoras Deputadas membros da Direcção do Grupo de Mulheres Parlamentares
Senhoras Deputadas,
Minhas Senhoras e Meus Senhores.
Antes de mais, gostaria de solicitar um minuto de silêncio em memória da malograda Deputada Emiliana Nhenho que faleceu no passado dia 25 de Outubro, na cidade do Cabo, África do Sul, após prolongada doença.
Mulher corajosa, dedicada e humilde, teve uma trajectória exemplar de entrega à causa das mulheres e fiel aos seus princípios e convicções políticas, até à data da sua morte.
Democracia e renovação de mandato da direcção do Grupo de Mulheres Parlamentares.
A renovação de mandato da direcção do Grupo de Mulheres Parlamentares decorre de um imperativo regimental, sendo certo que a eleição da direcção, pelas deputadas, demonstra o carácter democrático da sua organização e funcionamento do GMP. Por isso, é com grande honra e satisfação que saúdo a dinamização que Vossas Excelências vão implementando no grupo.
Parabéns às deputadas eleitas.
Por uma Agenda voltada para os desafios actuais
Gostaria de relembrar que o mundo vive momentos ímpares e desafiadores nos vários domínios e todos devemos estar atentos a essas dinâmicas, de modo que cada um possa ultrapassar, a seu nível, os desafios que poderão surgir.
Diariamente, por meio dos órgãos de comunicação social e observação da realidade fáctica, somos confrontados com notícias de violações de crianças e adolescentes, de violência baseada no género e de casamentos infantis, desrespeito aos direitos fundamentais de seres vulneráveis e indefesos, colocando em causa a sua dignidade.
Enquanto mulheres parlamentares não devemos ficar indiferentes a estes factos. A nossa inércia pode levar à ausência de legislação e onde não há legislação não se previne porque não se pune mesmo aquelas práticas sociais que pelas suas consequências clamam pela sua criminalização.
A violação do direito das crianças tem aumentado de forma significativa à nível do nosso país, e na maior parte das vezes são práticas reiteradas no seio familiar, nos locais de socialização, na via pública, nas escolas e locais de culto, contrariando os valores da ética, protecção familiar, a moral e os bons costumes.
Excelências, Senhoras Deputadas
No pretérito dia 6 de Fevereiro de 2025, aquando da minha intervenção na Conferência sobre a Erradicação do casamento infantil e gravidez precoce na adolescência afirmei que: “torna-se necessário o compromisso regional para que os Estados membros do FP/SADC, adoptem a Lei modelo sobre a matéria com vista a impulsionar reformas políticas e a elaboração ou a revisão de leis. A concretização deste desiderato representaria para os Estados membros da SADC:
- Um processo regional que permite reorientar a atenção das necessidades nacionais em relação às problemáticas regionais apoiando-se nas melhores práticas regionais;
- a troca de experiências, a convergência de princípios e de conceitos, com base no consenso, o que torna a Lei um instrumento útil para as discussões em matéria de políticas;
- a adopção de leis quadros ou modelos facilitando o processo de tomada de decisão e uma aplicação eficaz de maneira a criar uma dinâmica para realizar na região uma harmonização propícia à erradicação do casamento das crianças.”
Senhoras Deputadas,
A erradicação do casamento infantil e da gravidez na adolescência é um passo essencial para garantir que todas as meninas tenham a oportunidade de viver com dignidade, autonomia e acesso absoluto aos seus direitos. O momento fáctico representa, para as meninas, a quebra brutal da inocência. Mas a nossa acção colectiva deve transformar essa dor em força para que nenhuma outra criança volte a passar pelo mesmo sofrimento ou anulação dos seus sonhos.
A erradicação do casamento infantil e da gravidez precoce exige um esforço coordenado e multissectorial, onde o primeiro passo é a reforma Legislativa, para estabelecer a idade mínima de 18 anos para o casamento, sem excepções, a fim de assegurar a protecção das meninas e permitir que cresçam com autonomia e pleno acompanhamento escolar.
A Convenção de eliminação de todas as formas de descriminação contra as mulheres, refere-se no artigo 18.º que o casamento forçado pode apresentar várias formas incluindo o casamento das crianças entre si, com mais velhos, negócios ou comércio em que a menina é vendida por determinado preço, ou outras vantagens de vária espécie, práticas que levam, muitas vezes, as adolescentes a casarem com um parente ou pessoa próxima da família, aplicando costumes contrários a lei, fazendo das meninas instrumento de troca de valores pecuniários ou outros bens.
O casamento de menores é considerado uma forma de casamento forçado e alguns países definem em lei a idade para o casamento para os homens e para as mulheres.
Iniciativa Legislativa das Deputadas de acordo a lei modelo da SADC
Senhoras Deputadas,
Li com atenção o programa de actividades do GMP para a 4ª Sessão Legislativa da 5ª Legislatura e gostaria que neste novo ciclo político priorizassem algumas acções urgentes pelo seu impacto na nossa sociedade.
A nossa Constituição dispõe no número 1 do artigo 167.º que a iniciativa legislativa pode ser exercida pelos Deputados, pelos Grupos Parlamentares e pelo Presidente da República. O código da família que regula o casamento foi aprovado em 1988, sendo que clama por uma reforma profunda de grande parte das suas disposições, sobretudo a idade núbil, para que possamos reflectir, porque 15 anos para as meninas julgamos ser discutível.
Por isso, lanço o repto às Deputadas do Grupo de Mulheres Parlamentares no sentido de trabalharmos num projecto de lei sobre a criminalização e erradicação de casamentos prematuros e protecção da criança.
Esta iniciativa legislativa concretizaria os preceitos constitucionais sobre a protecção da criança, actualizaria as disposições do Código da Família de 1988 sobre o casamento, bem como as disposições do Código Penal que versem sobre a matéria.
No mesmo sentido, a iniciativa acautelaria a institucionalização dos assistentes sociais a fim de acompanhar as famílias vulneráveis, bem como os programas de apoio às famílias desfavorecidas em clara sintonia com a Lei Modelo de
Erradicação do Casamento Infantil da SADC.
Gostaria finalmente de vos encorajar a prosseguir com o dinamismo e energia positiva para desenvolver iniciativas como o Outubro Rosa, já uma referência parlamentar, reforçar iniciativas e promover a autonomia das mulheres não só durante as jornadas da Mulher e da Família, como das crianças e das pessoas idosas e migrantes, mulher rural, deslocada, vítima de violência, abraçando de forma solidária todas as causas sociais e filantrópicas que merecem o nosso engajamento é chamada de atenção social.
Promover a formação das deputadas através de refrescamentos ou programas específicos preparados pela Academia Parlamentar para alargar a visão e as habilidades das senhoras deputadas na arte de negociar, dirimir conflitos, na técnica legislativa e se especializarem em matérias chave a nível parlamentar, como interpretar por exemplo o orçamento sensível ao género, como entender melhor o contexto da segurança alimentar e nutricional versus desenvolvimento, versus mudanças climáticas, como desenvolver aptidões que façam a cada uma e a todas ser mais presentes nas iniciativas e nos grandes debates parlamentares.
Como eu sempre defendo onde chega uma mulher, podem chegar todas. O caminho está desbravado, precisamos saber caminhar com dignidade e sabedoria.
Muito obrigada pela vossa atenção.
