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Tunísia vai domingo a votos em ambiente de grande tensão política

A campanha para as eleições presidenciais de domingo, dia 6, na Tunísia está a ser marcado por um clima tenso, com a prisão de opositores e a exclusão de numerosos candidatos, afirmou ontem, quarta-feira, dia 2, um analista sénior do International Crisis Group (ICG).

Segundo o analista Michael Béchir Ayari, o Presidente tunisino, Kais Saied, tem sido o centro da tensão ao bloquear a votação e os desafios para a estabilidade do país. “Os tunisinos são convocados às urnas […] para uma eleição presidencial que promete ser de alto risco. No poder há cinco anos, Saied é candidato à sua própria sucessão após um mandato marcado por uma governação autoritária, que provocou a morte da transição democrática iniciada pela Primavera Árabe em 2011”, escreveu Ayari, numa publicação do ICG.

Académico especializado em direito constitucional, Saied foi eleito a 13 de Outubro de 2019, obtendo quase 73% dos votos numa segunda volta contra o empresário Nabil Karoui.

Candidato que se apresentou como antissistema, Saied, 66 anos, subiu ao poder num clima político tenso após a morte do Presidente Caid Essebsi. Mas, em Julho de 2021, mudou radicalmente de abordagem e fez uma viragem autocrática ao assumir plenos poderes por decreto. Continuou a visar supostos inimigos internos e externos de todos os tipos e a reprimir duramente a oposição política e a sociedade civil.

Para o analista tunisino, embora o mandato esteja a chegar ao fim, segundo a Constituição de 2014, revogada em 2022, Saied concordou, no entanto, em convocar os eleitores para renovarem a confiança nele.

No entanto, assegura Ayari, a popularidade de Saied diminuiu nos últimos anos e, embora goze de um apoio significativo entre as classes trabalhadoras, tem sido criticado pela incapacidade de liderar o país para sair de uma crise económica profunda, exacerbada pelos efeitos da pandemia da covid-19 e pela invasão russa da Ucrânia.

Segundo fontes tunisinas entrevistadas pelo ICG, Saied e os altos funcionários administrativos e políticos que o rodeiam temem agora que não consiga obter uma pontuação pelo menos equivalente à que alcançou em 2019, ou pior, que saia derrotado.

“Essas dúvidas surgem no momento em que o Presidente reivindica legitimidade popular para justificar a implementação do seu projeto político, bem como as campanhas de prisões”, sublinha Ayari.

Esta perspetiva, confirmada por sondagens inéditas que o ICG consultou e que dão ao Presidente entre 20% a 25% das intenções de voto na primeira volta, colocando-o na mesma posição dos outros candidatos, “deixou febris os que estão no poder”.

Migrantes como alvo

“Isto levou o regime a lançar nos últimos meses uma nova campanha de repressão contra alvos não subversivos ou críticos do regime, incluindo migrantes subsarianos, organizações não-governamentais ocidentais que defendem os seus direitos, jornalistas ou advogados”, lembra o analista político do ICG.

Ayari dá os exemplos: em Maio, responsáveis da Federação Tunisina de Natação e da Agência Nacional Antidopagem foram detidos por conspirarem contra a segurança do Estado por cobrirem uma bandeira do país durante uma competição; símbolo da justiça transicional na Tunísia, Sihem Bensedrine, antigo presidente da Comissão da Verdade e Dignidade, foi preso em agosto por alegadamente falsificar um relatório sobre violações dos direitos humanos perpetradas durante a ditadura; por fim, a advogada e colunista Sonia Dahmani, que foi condenada em meados de Setembro a oito meses de prisão por comentários considerados hostis ao presidente.

À medida que a votação se aproxima, as autoridades também exercem forte pressão sobre os potenciais rivais do presidente. Tornadas consideravelmente mais rigorosas as condições exigidas para concorrer às eleições presidenciais, os candidatos encontraram inúmeras dificuldades na apresentação dos seus processos de candidatura, nomeadamente na obtenção das assinaturas de 10.000 cidadãos e do formulário B3, que comprova a não existência de antecedentes criminais.

No início de Agosto, os tribunais condenaram vários candidatos a penas de prisão em primeira instância, acusando-os de terem falsificado assinaturas durante esta campanha ou na de 2019. Entre eles, segundo Ayari, figura Abdellatif El Mekki, antigo ministro da Saúde e antigo chefe do partido Ennahdha, de inspiração islâmica, Nizar Chaari, que apoiou Saïed em 2019, Neji Jalloul, ex-ministro da Educação, e K2Rhym, rapper e genro do ex-presidente deposto Zine El Abidine Ben Ali.

Quem de 17 tira 14, quantos ficam

Apesar de vários obstáculos, 17 candidatos, entre eles uma mulher, conseguiram submeter os seus processos de candidatura à Alta Autoridade Independente para Eleições (ISIE) no início de Agosto. No entanto, quando a lista preliminar foi anunciada, a 10 desse mesmo mês, a comissão eleitoral selecionou apenas três candidatos: o presidente cessante, Saïed, Ayachi Zammel, um empresário até então desconhecido e que se encontra detido, tendo sido condenado na segunda-feira a mais 12 anos de prisão, e Zouhair Maghzaoui, secretário-geral do movimento Echaab, um partido nacionalista árabe que apoiou o “golpe” do actual presidente em 2021.

Com esta decisão, o ISIE excluiu concorrentes particularmente credíveis. Considerando-se lesados, três deles – Mondher Zenaidi, várias vezes ministro de Ben Ali, Imed Daïmi, ex-deputado e chefe de gabinete do ex-presidente Moncef Marzouki em 2013, e Abdellatif El Mekki – interpuseram recursos em recurso para o tribunal administrativo, um tribunal responsável pela decisão final de litígios desta natureza.

Contra todas as expectativas, e sem dúvida porque o voto secreto protegia os magistrados das represálias dos detentores do poder, o tribunal administrativo autorizou no final de agosto os três candidatos que tinham apelado a participar no escrutínio.

Apesar da decisão do tribunal – supostamente definitiva -, o ISIE apenas manteve os três candidatos inicialmente selecionados na lista final, publicada a 2 de Setembro.

Não está posta de parte a possibilidade de a oposição apelar a um boicote eleitoral, tendo como pano de fundo as legislativas de fins de Janeiro de 2023, quando a taxa de participação não atingiu sequer os 11%.

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