Mnangagwa concorre à própria sucessão no Zimbabwe
O Zimbabwe vai a votos amanhã, quarta-feira, dia 23 de Agosto, num ambiente caracterizado por uma forte violência política.
Com 80 anos, o presidente cessante, Emmerson Mnangagwa, candidata-se a um segundo mandato. Considerado autoritário, mais ainda do que Robert Mugabe, de acordo com os seus detractores, parece determinado a manter-se no poder.
Mnangagwa é acusado de reprimir a oposição durante meses, num contexto de hiperinflação e de uma economia em crise. “É uma figura muito repressiva e autoritária”, resume Brian Raftopoulos, um investigador político do Zimbabwe, em declarações à Agência France Press (AFP).
Poder e pobreza
Apesar de rico em minerais, o país continua a sofrer grandes cortes de eletricidade e escassez de gasolina, pão e medicamentos. O presidente responsabiliza as sanções ocidentais contra o Zimbabwe de impedirem a recuperação da economia do país, mas Washington e a União Europeia negam este facto, alegando que estas medidas visam apenas os que estão envolvidos na corrupção e no abuso de direitos humanos.
Nos últimos meses, as manifestações contra o elevado custo de vida intensificaram-se e foram violentamente reprimidas. A oposição acusa o novo regime de ser tão brutal como o de Robert Mugabe, o primeiro presidente do país. Recentemente, foram adoptadas leis para amordaçar qualquer opinião divergente. Activistas, representantes eleitos e intelectuais estão a ser detidos. “Mnangagwa não tem a visão ideológica de Mugabe”, diz Raftopoulos. “Ele baseia-se na militarização e na segurança, não numa mensagem intelectual forte.”
Em 2008, quando Mugabe perdeu na primeira volta dos eleições presidenciais, Mnangagwa terá supervisionado a onda de violência e intimidação que obrigou a oposição a desistir da segunda volta. O antigo ministro da Defesa, mantém ligações estreitas com os serviços secretos que lidera.
Mala de dólares
Militante da linha dura e peso-pesado do partido no poder, a Zanu-PF, no poder desde a independência, em 1980, Mnangagwa tornou-se chefe de Estado no final braço de ferro pela sucessão que o opôs a Grace Mugabe, mulher do presidente nonagenário, deposto em 2017. A “guerra” entre rivais resultou inicialmente na demissão de Mnangagwa do cargo de vice-presidente. Temendo pela vida, fugiu para Moçambique. O filho, que o acompanhava, descreveu-o sentado numa paragem de autocarro após uma viagem nocturna pelas montanhas, com o fato empoeirado e os sapatos rasgados. A sua única bagagem era uma pasta cheia de dólares.
Depois, no espaço de algumas semanas, a situação alterou-se por completo. Os generais apearam Robert Mugabe, tomaram o poder e chamaram Mnangagwa. Este regressou triunfante, apoiado pelo partido no poder, a ZANU/PF.
No ano seguinte, Mnangagwa ganhou as eleições presidenciais com 50,8%. A oposição contestou os resultados e o exército abateu seis manifestantes. Os tribunais, controlados pelo partido no poder, validaram a eleição.
O arquitecto dos massacres
Em público, o ex-ministro da Defesa, envolve, invariavelmente, o pescoço com um cachecol às riscas com as cores nacionais, tentando forjar a imagem de político acessível. Durante a campanha de 2018,
escapou a uma explosão e, no ano anterior, sobreviveu à ingestão de um gelado supostamente envenenado.
Lacónico, o octogenário descreve-se como cristão e diz que se abstém de álcool durante seis meses do ano. Nascido em 1942, treinou tácticas de guerrilha na China antes de se juntar à luta pela independência. Preso pelas autoridades britânicas, terá sido pendurado pelos pés num gancho de talho. Em 1964, após fazer explodir um comboio, foi detido e condenado à morte, pena que foi comutada para prisão devido à sua juventude.
Após a independência, Mnangagwa foi acusado de ser o arquiteto das “atrocidades de Gukurahundi” – palavra que na língua mashona significa as primeiras chuvas lavam as colheitas antes da Primavera – na primeira metade da década de 1980, quando a célebre 5ª Brigada, treinada na Coreia do Norte, massacrou cerca de 20 mil civis da minoria N’debele para reprimir a oposição no oeste do país. Já presidente do país, Mnangagwa iniciou conversações com os chefes tradicionais para tentar resolver as queixas de longa data relacionadas com esses massacres, que descreve como uma “má fase” na história do país.