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“Gostaríamos que os empresários espanhóis investissem mais em Angola” – João Lourenço

O Presidente João Lourenço concedeu uma entrevista ao diário espanhol ABC em vésperas da chegada a Luanda dos Reis de Espanha, Felipe VI e Letizia, durante a qual destaca os laços de cooperação com aquele país ibérico. E pede mais investimento espanhol em Angola. Leia a entrevista, em tradução livre.

No contexto da visita de estado do Rei Felipe VI e da Rainha Letízia e do novo estatuto que Espanha atribui a Angola, abre-se uma oportunidade de reforçar os laços culturais e educacionais no quadro do “pan-iberismo”.
João Manuel Gonçalves Lourenço (Lobito, 1954) atravessa o seu segundo e último mandato como chefe da República de Angola, um país que goza de um período de estabilidade de 20 anos de paz e consolidação da democracia.
Angola lançou um grande planos de infra-estruturas públicas e uma “luta feroz contra a corrupção” com o objectivo de atrair investimento estrangeiro ta nova terra de oportunidades.
O IVA foi introduzido em 2019 pela primeira vez – 14%, o que estabilizou a taxa de câmbio e deu ao Estado um recurso adicional.
“O objectivo agora é terminar os projectos que foram iniciados e lançar estradas, terminar o novo aeroporto, mais hospitais, universidades, parques solares e eólicos, linhas ferroviárias…”, diz o Presidente Lourenço, que está a contar com os ventos positivos preço do petróleo.
Angola é o segundo maior produtor de “ouro negro” em África, ultrapassando por vezes a Nigéria, e o potencial neste sector é ainda enorme.
A 72 horas do início da visita a Angola do Rei e Rainha de Espanha, o líder do Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) – o partido que ganhou as últimas eleições, com 51,17% dos votos – à União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita) – recebeu o ABC, na sexta-feira, no Palácio da Cidade Alta.
Trata-se da mesma sala onde, na próxima terça-feira, irão ser assinados três acordos bilaterais sobre indústria 4.0, cooperação desportiva e formação diplomática.
A entrevista, a pedido expresso do Presidente Lourenço, é conduzida com perguntas em espanhol e respostas em ‘português-‘angolano’. Um símbolo do pan-iberismo que nos une e que se deseja promover. Não há tradução simultânea. Entendemo-nos.

Qual é o estado das relações entre a Espanha e Angola?
As nossas relações são muito boas, com base no Acordo Geral de Cooperação de 1987, e desde então expandimos a nossa cooperação. Em termos de comércio, Angola exporta principalmente petróleo para Espanha. E a Espanha exporta bens manufacturados para Angola.
As empresas espanholas estão estabelecidas no sector da saúde, construindo hospitais com tecnologia de ponta. No sector do ensino superior, temos o projecto da Universidade Internacional Cuanza na cidade de Cuito, na província do Bié; o Estado está também a trabalhar para que uma empresa construa cinco universidades públicas. No sector dos transportes, a Espanha está a financiar a reconstrução do troço ferroviário Zenza-Cacuso na província de Malanje, bem como outro projecto de controlo do espaço aéreo, o que é extremamente importante para nós, porque no final do ano iremos inaugurar um novo centro de controlo do espaço aéreo.
No final do ano iremos inaugurar o novo aeroporto internacional António Agostinho Neto, perto de Luanda. E noutras áreas da nossa economia sentimos a presença de Espanha, tais como no sector da defesa, com a construção de três aeronaves Airbus C-295, o que nos permitirá controlar a vigilância marítima.
A Espanha também oferece formação à nossa polícia especial, algo que irá continuar.
Portanto, as relações são muito boas, mas podem ser ainda melhores.

Angola será a primeira visita de estado do Rei e Rainha de Espanha a um país da África Subsaariana, de amanhã até quarta-feira…
Para nós tem um elevado significado, somos um país privilegiado nesta região subsaariana; agradecemos a Espanha por esta deferência, em particular ao Rei Felipe VI e à Rainha Letizia pelo estatuto que nos atribuem.

O Rei vai, inclusivamente, dirigir-se à Assembleia Nacional, algo que apenas fez, até agora, em França e Portugal. Um símbolo do estatuto que Espanha atribui às relações com Angola, um “país prioritário” para a diplomacia espanhola.
Exactamente, o Rei irá discursar perante os deputados da Assembleia Nacional, bem como no Fórum de Negócios, onde os dois chefes de estado irão intervir. Tudo isto é um sinal claro da importância que Sua Majestade atribui a esta visita.

Na sua visita a Madrid em Setembro de 2021, proferiu um discurso no Palácio Real, onde apelou a Espanha para desempenhar um papel mais relevante nas suas relações com Angola e também em relação a Europa. Que papel deve ser esse?
Uma grande oportunidade surgirá em breve, com a presidência rotativa de Espanha do Conselho Europeu, no segundo semestre do ano. Portanto, se me permite, contamos com um ‘padrinho na cozinha’, para defender os interesses de Angola face à UE.

Gostaria que Espanha fosse a porta de entrada de Angola na UE?
Essa é uma questão delicada. Eu diria que há sempre muitas portas de entrada, Espanha é certamente uma delas, certamente haverá outras.

Referiu que as relações hispano-angolanas podem ser “ainda melhores”. Em que medida?
Com o novo ambiente de negócio que criámos, gostaríamos que o sector empresarial espanhol fizesse mais investimentos em Angola. O fórum de negócios terá esse objectivo: atrair novos investimentos privados para Angola.

A Navantia está a negociar a venda de corvetas à Marinha Angolana. O que nos pode dizer?
Relativamente à indústria naval e à aquisição de bens navais para a Marinha de Guerra Angolana, dependerá das condições de crédito que nos são oferecidas. Portanto, se forem boas… Espanha tem uma grande indústria de construção naval e faltam a Angola meios para melhor patrulhar a sua costa.

A Europa está a atravessar uma crise de preços da energia, fruto da guerra na Ucrânia. O seu país é o segundo maior produtor de petróleo de África – por vezes o primeiro, ultrapassando a Nigéria. Como pode Angola ser parte da solução para o fornecimento de petróleo e gás a Espanha e à Europa?
Como disse, quase todas as exportações angolanas para Espanha assentam no petróleo. Para a Europa e, em particular, para Espanha. Há multinacionais europeias, como a Azule – resultado da fusão entre a ENI (italiana) e a BP (britânica) -, mas também Total (francesa) ou Equinor (norueguesa)… todas actuam em Angola e este petróleo acaba por chegar a Espanha.

Mas nenhuma empresa espanhola (Repsol, Cepsa, Naturgy…) está estabelecida. Gostaria que viessem?
Sim, o nosso mercado é aberto e gostaríamos de ter a Repsol e outras companhias petrolíferas espanholas em Angola.

O seu país também está a apostar na diversificação energética e energias renováveis.
Temos um programa de transição energética, para irmos mudando gradualmente das fontes de energia poluentes. Neste momento, temos duas grandes centrais hidroeléctricas e vamos construir uma terceira, que será maior que estas duas juntas e deverá estar concluída até 2026. Mas produzir não é tudo, precisamos também de transportar e distribuir, e estamos a trabalhar nesse sentido.
Começámos a adoptar também a produção de energia solar, com dois grandes parques fotovoltaicos na província de Benguela; está previsto um outro mega projecto de energia solar no Sul com uma empresa americana. Também no Leste, vamos construir parques solares para abastecer três ou quatro províncias.
Portanto, são bem-vindas outras ofertas de financiamento ou de investimento privado no sector das energias renováveis (solar, eólica, hidrogénio verde, etc.). Angola está aberta à experiência espanhola neste domínio, para poder fazer, dentro de alguns anos, uma transição energética completa.

Angola é um país africano, como costuma dizer-se, de “expressão portuguesa”. Pertence, portanto, à comunidade iberófona. Que papel poderia desempenhar o seu país, como o principal africano falante de língua ibérica, num contexto de paniberismo e de reaproximação entre as nações de língua espanhola e lusófonas?
Já desempenhámos um papel importante nesta reaproximação entre o português e o espanhol, se tivermos em conta que foi, até certo ponto, por insistência de Angola que a Guiné Equatorial, país africano de língua espanhola é um membro de pleno direito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Angola tem esta visão há já algum tempo, de não deixar de fora um país africano de ‘expressão espanhola’ e lutámos por essa entrada. Gostaríamos de para aprofundar esta visão no futuro.

Gostaria que Angola participasse de alguma forma, talvez como um país observador, na próxima Cimeira Ibero-Americana na República Dominicana (24 e 25 de Março)?
Sim, sim… com certeza.

Em 2025, cumprem-se 50 anos da independência de Angola, ainda no seu segundo mandato. Que visão tem para Angola?
Desde logo, do ponto de vista económico, vemos uma Angola cada vez mais inserida na economia mundial. Abraçámos a economia de mercado e estamos a remover alguns dos últimos obstáculos para que a economia seja verdadeiramente uma economia de mercado. Estamos a travar uma luta feroz contra a corrupção, para criar um bom ambiente de negócios e atrair mais investimento estrangeiro privado. Do ponto de vista das relações diplomáticas e internacionais, Angola tem relações com praticamente com praticamente todos os países, com a excepção dos Estados considerados párias. Tentamos também tirar partido da nossa própria experiência de construção da paz para ajudar outros povos que estão a atravessar tempos difíceis e conflitos armados. Hoje existe a perspectiva de que África esteja representada no G-20 e seja membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e – porque não? – Angola tem a ambição de ser o país ou um dos países que representam o continente africano.

Mencionou “uma luta feroz contra a corrupção”. Em que estado está a corrupção em Angola?
Devo dizer-lhe que, já antes de eu vir para a Presidência da República, em 2017, sempre houve documentos do partido ao qual pertenço e a que hoje presido (o MPLA), reconhecendo a existência de corrupção em Angola e a necessidade de a combater.
A diferença é que não passava do simples reconhecimento, não houve acções concretas para combater eficazmente este grande mal que corrói a sociedade angolana. Começámos a levá-las a cabo.
A missão dos políticos é mostrar o caminho, e nós indicámos uma forma clara de começar a combater a corrupção. Diz-se que é o Presidente da República que luta contra a corrupção, mas não, somos todos.
A sociedade está a participar, com as suas denúncias, a área de investigação está a cumprir o seu papel de investigar, o Ministério Público está a cumprir a sua missão de admitir os processos, e os tribunais estão a cumprir o seu papel de julgar, com condenações ou absolvições.
A luta contra a corrupção em Angola é um facto. É uma luta de cima para baixo. Não é uma luta apenas contra as “ladrões de galinhas” [refere-se à pequena corrupção], mas também contra funcionários estatais, independentemente do nível em que se encontrem. Há dados concretos, claro que não vou citar nomes, mas pessoas de classes elevadas que já tiveram de enfrentar a Justiça angolana.

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