Angola no topo das relações China-África
A conceituada publicação “The Diplomat”, na sua edição online, dedicou, a propósito da visita na semana passada do Presidente de Angola, João Lourenço, à China, um extenso artigo avaliando as relações entre os dois países.
Assinado por Ovigwe Eguegu, a matéria analisa diversas vertentes, começando por referir que nas relações China-África, Angola ocupa uma posição de topo. “Por conseguinte, a visita oficial do Presidente João Lourenço à China na semana passada, com paragens em Pequim e Shandong, foi uma visita a ter em conta, especialmente em termos do que poderá oferecer relativamente à visão de Angola para 2050”, refere.
Esta foi visita a segunda visita de um Chefe de Estado africano à China este ano, depois do Presidente da Serra Leoa, Julius Maada Bio, no início de Março, numa altura em que a China se prepara para acolher a 9ª edição do Fórum de Cooperação China-África em Pequim.
Construção de infra-estruturas como motor de desenvolvimento
O autor realça o momento tenso por que passam as relações, sobretudo económicas, entre os Estados Unidos e a China na região da África Austral, “especialmente ligada a um novo projecto que os países do G-7 têm vindo a promover fortemente: o projecto do “Corredor do Lobito”.”
No passado, a concorrência internacional em Angola centrava-se sobretudo nos recursos petrolíferos. Durante anos, Angola esteve extremamente dependente das exportações de matérias-primas (principalmente petróleo e produtos afins), importando, por sua vez, a maior parte dos seus produtos petrolíferos de outros países, como os Países Baixos.
Hoje, uma das principais políticas angolanas tem sido investir grande parte dos rendimentos das exportações de petróleo em infra-estruturas, em particular através de empréstimos baseados em recursos naturais relativamente bem negociados com a China.
“Agora que já foram construídas muitas infra-estruturas, o país está a tentar diversificar a sua economia. A última visita presidencial confirma que a China continuará a ser um elemento central dos planos de Angola, por razões estratégicas para ambas as partes”, refere o autor.
João Lourenço conhece bem a China
Angola e a China estabeleceram relações diplomáticas em 1983. Desde então, os presidentes de Angola efectuaram cinco visitas à China – em 1988, 1998, 2008 e 2015 por José dos Santos e em 2018 pelo actual Presidente João Lourenço. Por conseguinte, actual viagem marca a sexta visita de um presidente angolano à China, e a segunda de João Lourenço.
Todavia, João Lourenço não é um desconhecido da China. O Chefe de Estado angolano já visitou a China muitas vezes noutras funções: em 2000, visitou o país na qualidade de secretário-geral do MPLA. Voltou a visitar a China em 2015 como Ministro da Defesa e em 2016 como enviado especial do Presidente.
Em 2010, a China e Angola estabeleceram uma parceria estratégica, e Angola aderiu à Iniciativa ‘Uma Faixa, Uma Rota’, em 2018. Na actual viagem de Lourenço, Angola tornou-se o 16º país africano a elevar a sua relação ao nível de uma parceria estratégica de cooperação abrangente com a China.
Durante a pandemia da COVID-19, Angola obteve da China um congelamento do pagamento da dívida durante três anos, até Maio de 2023, para uma parte dos seus empréstimos pendentes. Em contraste com os países que recorreram ao Quadro Comum do G-20 para obter alívio da dívida, como a vizinha Zâmbia, Angola conseguiu alcançar este resultado rapidamente, utilizando a sua relação bilateral privilegiada com a China.
O autor faz uma pergunta pertinente: será que a actual dinâmica das relações entre Angola e a China pode afectar as relações de Angola com outros países, nomeadamente os membros do G-7?Em primeiro lugar, é importante esclarecer que a actual estratégia de Angola não funciona como um pivot em relação à estratégia antiga. Angola mantém os contratos petrolíferos de referência e os projectos de infra-estruturas financiados pela dívida. Por isso, uma das prioridades de João Lourenço foi reduzir as reservas de garantia e estender mais linhas de crédito para projectos-chave. Do mesmo modo, Angola adjudicou recentemente a construção da central hidroelétrica de Caculo-Cabaca à China Gezhouba Group Company Limited. Uma vez concluída, esta tornar-se-á a maior central hidroelétrica de Angola e – com mais de 2,1 GW – a terceira maior de África. Espera-se que o projecto satisfaça mais de 50% das actuais necessidades de eletricidade do país. “Os elementos petrolíferos e de infra-estruturas da estratégia angolana para a China vão continuar”, defende Eguegu.
Empresas chinesas deverão crescer no mercado angolano
No entanto, com base num acordo de protecção do investimento assinado em Dezembro de 2023 – incluindo um mecanismo de resolução de litígios – e ligado ao Angola 2050, o governo angolano quer explorar a possibilidade de transformação e fabrico de valor acrescentado como uma nova faceta das relações Angola-China.
A Sonangol, a companhia petrolífera nacional de Angola, assinou recentemente um Memorando de Entendimento com a China National Chemical Engineering de angariação de fundos com vista à conclusão da Refinaria de Petróleo do Lobito. Durante a visita, João Lourenço deslocou-se a duas empresas de produtos de saúde em Shandong – uma província bem conhecida pela sua indústria pesada. Shandong é a terra de gigantes como a HiSense e a Haier e de muitas grandes empresas agrícolas, muitas das quais já vendem produtos para África. Algumas têm mesmo operações em países como o Egipto. A deslocação de João Lourenço a Shandong pode indicar interesse na atracção das empresas chinesas por Angola.
Win win no Corredor do Lobito
Graças às recentes melhorias nas infra-estruturas, aos elevados retornos esperados pelo aumento do comércio com a região da África Austral devido à Zona de Comércio Livre Continental Africana, bem como às melhorias esperadas para o Corredor do Lobito, e ainda aos retornos do próprio porto do Lobito, a proposta de investimento que Angola apresenta aos investidores chineses e outros investidores estrangeiros é, hoje, muito atractiva.
Haverá quem queira ver na visita do presidente angolano à China um sinal de preocupação para Washington e para os aliados europeus, com a ideia de que os princípios do acordo sobre o corredor do Lobito possam ser reavaliados. No entanto, ao cimentar novos acordos com a China, a visita de João Lourenço pode, de facto, reforçar os argumentos a favor de empréstimos e investimentos por parte de empresas americanas e europeias, bem como de instituições financeiras africanas como a African Finance Corporation e o Banco Africano de Desenvolvimento, para apoiar o Corredor do Lobito.
Vale a pena recordar que, após o fim da guerra civil angolana, foi uma empresa chinesa, a China Railway 20 Bureau Group Corporation, que fez a remodelação inicial dos 1.344 quilómetros de linha férrea, ao longo de 10 anos, a partir de 2006, incluindo um empréstimo do China EximBank assinado em 2004.
Angola não se tornou um dos parceiros mais importantes da China no continente por acaso ou simplesmente por ter petróleo. Angola tornou-se atractiva por ser estratégica, ponderada e previdente nas suas relações com a China e outros países. Esta última visita não é excepção, e outros países africanos podem inspirar-se nela para estabelecerem os seus próprios compromissos multilaterais.