Alegada venda de armas à Rússia pode colocar África do Sul numa situação delicada
A África do Sul está a tentar apaziguar as relações com os EUA, no meio de uma polémica diplomática sobre alegadas vendas de armas à Rússia.
O embaixador dos EUA neste país, Reuben Brigety, afirmou que um navio russo recebeu um carregamento de armas e munições enquanto se encontrava aportado na Cidade do Cabo em Dezembro passado. A alegação criou uma tempestade diplomática e a África do Sul afirmou não ter qualquer registo de uma venda de armas aprovada à Rússia, afirmando que valoriza uma relação “cordial, forte e mutuamente benéfica” com os EUA.
O Presidente Cyril Ramaphosa confirmou, esta quinta-feira, a abertura de um inquérito para analisar as alegações. As autoridades sul-africanas manifestaram o seu desapontamento com o que um funcionário descreve como política de “megafone” por parte do embaixador dos EUA, referindo-se à conferência de imprensa de Brigety na quinta-feira, onde fez as acusações contundentes.
A BBC informou que, nos bastidores, o governo está mais do que desiludido – está irritado com o que alguns consideram ser a tentativa dos EUA de forçar a África do Sul a alinhar com os EUA relativamente à invasão russa da Ucrânia “por todos os meios necessários”.
Oficialmente, o departamento de relações internacionais informou que a ministra dos Negócios Estrangeiros, Naledi Pandor, irá falar com o seu homólogo norte-americano, Antony Blinken, nos próximos dias.
Embora os EUA ainda não tenham apresentado provas das acusações, a presidência sul-africana disse, esta quinta-feira, que iria abrir um inquérito presidido por um juiz reformado para investigar o alegado incidente. A presidência, adiantou à BBC, que os termos do inquérito, bem como a data em que o mesmo terá início, serão comunicados oportunamente.
É indiscutível que um navio russo, conhecido como Lady R, atracou ao largo da costa da Cidade do Cabo em Dezembro passado, o que suscitou, na altura, questões por parte dos políticos locais. Ainda não se sabe se o navio foi abastecido com armas antes de regressar à Rússia.
Mas o que está em causa é bem mais do que uma disputa diplomática entre velhos parceiros comerciais. Se as acusações forem verdadeiras, a África do Sul terá violado a sua própria Lei de Controlo de Armas, que refere que o país se compromete a “não comercializar armas convencionais com Estados envolvidos em repressão, agressão ou terrorismo.” Na mesma lei, a África do Sul descreve-se como um “membro responsável da comunidade internacional.”
Já hoje, o governo sul-africano assegurou que não tinha qualquer registo de venda de armas à Rússia e que, se isso aconteceu, foi de forma dissimulada. Mesmo esta possibilidade não é boa para a África do Sul. Na melhor das hipóteses, seria um sinal de um governo que não tem controlo sobre os assuntos do país e, na pior, sugeriria algo muito mais sinistro: cumplicidade na agressão da Rússia contra a Ucrânia.
Recorde-se que a África do Sul foi um dos poucos países que se absteve numa série de votações da ONU sobre o conflito e recusou-se a condenar publicamente a Rússia, insistindo que não está alinhada nesta matéria.
Há meses que a potência regional tem vindo a afirmar que apoia uma solução mediada para o conflito. O fornecimento de armas, ao mesmo tempo que se afirma neutra, não só iria pôr em causa essa posição, como também deixaria a África do Sul numa situação muito incómoda, tanto aos olhos dos seus cidadãos como da comunidade internacional.
A Rússia parece despertar sentimentos de nostalgia em alguns membros do Congresso Nacional Africano (ANC) partido no poder, pelo apoio da então URSS à sua luta contra o domínio da minoria branca, o regime do apartheid. Contudo, na África do Sul actual, muitos têm-se interrogado sobre se esta nostalgia serve verdadeiramente os interesses da África do Sul.
Analistas em relações internacionais têm salientado que a África do Sul tem mais em comum com alguns países do Ocidente, incluindo os EUA, em questões de democracia e de direito internacional, sendo o Ocidente um parceiro comercial muito mais relevante do que a Rússia.
A moeda do país, o rand, que tem vindo a sofrer sucessivas desvalorizações devido a meses de cortes de electricidade contínuos que deixaram as casas e as indústrias às escuras durante 12 horas, paralisando a economia, enfraqueceu ainda mais após as acusações do embaixador dos EUA.