África acusa os países ricos de a terem “abandonado” a favor da Ucrânia
Ajudar a Ucrânia, sim, mas não à custa de África. Esta foi a mensagem que alguns líderes africanos fizeram passar na última reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, em Washington, no passado mês de Abril.
“Nesse encontro, os países africanos manifestaram o receio de uma duplicidade de critérios em termos de ajuda internacional”, revelou à AFP uma fonte governamental francesa. A guerra na Ucrânia “expõe a verdadeira face da acção das grandes potências em relação ao continente”, adiantou uma fonte diplomática do Benim, entrevistada pela AFP antes de uma cimeira esta semana em Paris sobre a pobreza e o financiamento do clima, lamentando o facto de África ter sido “negligenciada”.
Efectivamente, a África Subsariana, o principal destino da ajuda ao desenvolvimento, registou uma quebra de 8% no ano passado (2022), enquanto a ajuda à Ucrânia disparou. É certo que a parte de leão da ajuda à Ucrânia traduz-se em armamento, mas esta discrepância leva, inevitavelmente, a comparações.
Parcialmente destruída pela Rússia e com o seu PIB a cair 30% no ano passado, a Ucrânia tem assistido a um afluxo de ajuda de todo o Ocidente. Até 24 de fevereiro, os seus aliados tinham prometido uma ajuda de mais de 150 mil milhões de euros, segundo os dados do Instituto de Economia Mundial de Kiel (IfW).
De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), a África Subsariana é o principal destino da ajuda ao desenvolvimento, que caiu 8% no ano passado, para 29 mil milhões de dólares, enquanto a ajuda à Ucrânia disparou para 16 mil milhões de dólares, contra menos de mil milhões de dólares no ano anterior. “Estamos a assistir a estes enormes fluxos que pensávamos serem impossíveis de libertar, mas que agora estão a ser libertados”, disse à AFP o Ministro dos Negócios Estrangeiros do Níger, Hassoumi Massoudou. Para este responsável este facto é a prova de que “existem recursos e mecanismos” que também podem ser utilizados para o continente.
A Ucrânia está a receber um apoio sem precedentes dos países ocidentais, especialmente porque alguns países africanos enfrentam conflitos armados e crises económicas. “Há conflitos na República Democrática do Congo, no Sudão e noutras partes de África, mas o apoio que a Ucrânia está a receber dos países ocidentais não tem precedentes. O Ocidente está a concentrar grande parte do seu apoio na Ucrânia”, lamenta uma fonte governamental da Zâmbia.
Uma reestruturação da dívida deste país, que está em incumprimento desde 2020, poderá ser proposta esta semana. As negociações sobre o assunto, tal como para o Gana, foram até agora bloqueadas pela falta de consenso entre os países ocidentais e a China, que se tornou um credor fundamental nos últimos anos.
Os países ricos estão igualmente a ser criticados por não honrarem os seus compromissos, nomeadamente o pagamento de 100 mil milhões de dólares por ano, prometidos em 2009 para lutar contra as alterações climáticas, e a reciclagem de 100 mil milhões de dólares em Direitos de Saque Especiais (DSE). Adoptado na COP27, em Sharm-el-Sheikh, no Egipto, este fundo, destinado a compensar os países do Sul pelas “perdas e danos” sofridos, ainda não foi posto à disposição destes.
“Existe uma crise de confiança entre os países doadores e os países do Sul”, afirma Elise Dufief, investigadora do Instituto para o Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais (IDDRI). Especialmente porque “quando assistimos à crise na Ucrânia ou à falência de bancos norte-americanos, a reação é muito rápida.”
O sentimento de esquecimento de África é igualmente reforçado pela sua fraca representação nos fóruns que determinam as prioridades internacionais e nos quais o continente reclama maior influência, como o G20 e a ONU. “A história de subjugação e exclusão de África exige um reexame radical da forma como é representada nas instituições mundiais”, escreveu Howard W. French, professor de jornalismo na Universidade de Columbia, na revista Foreign Policy, lembrando que “a sua população, que representava menos de um décimo da população mundial em 1950, representará 40% da humanidade no final do século.”