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A história do “tambor falante” da Costa do Marfim

A 25 de Janeiro último, o presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, esteve em Paris para um almoço de trabalho com o seu homólogo francês, Emmanuel Macron. O encontro tinha como tema central a luta contra o terrorismo na África Ocidental e no Sahel. Contudo, Ouattara aproveitou a oportunidade para abordar um assunto que lhe é particularmente caro: Quando é que a França pretende devolver o “tambor falante”, um objecto altamente simbólico, à Costa do Marfim.

A peça foi confiscada pela França em 1916 e a antiga colónia tem vindo a reivindicar a sua devolução desde 2019. Ouattara refere que o povo marfinense está impaciente não podendo esperar muito mais. Macron respondeu positivamente ao homem que é um dos aliados mais fortes da França nesta zona do globo, prometendo um retorno rápido sob a forma de um empréstimo a longo prazo até ao Verão de 2023, regularizado à posteriori na altura mais conveniente.

Investigadores do Museu Quai Branly , em Paris, redesenharam partes da história deste objecto de 3,30 metros de comprimento e 430 quilos, que visualmente se assemelha um animal selvagem devorando um homem crocodilo numa extremidade e um longo cilindro coberto de pigmentos na outra. A data da sua concepção permanece imprecisa, algures entre o final do século XIX e o início do século XX, conhecendo-se, todavia, o nome do escultor. Quanto ao resto, todas as hipóteses convergem no sentido de uma confiscação do tambor pelo governo colonial, em 1916.

Ninguém acredita na hipótese de ter sido um presente das comunidades marfinenses para o administrador francês Simon, que em alguns dos seus escritos fala de um “presente inesperado.” Diz-se que, no auge do seu poder, o tambor poderia emitir sons audíveis até 30 quilómetros de distância, o que o tornou um formidável sistema de alerta para as comunidades Abidjan contra os colonos franceses envolvidos em operações de pacificação ou na requisição de homens. “A sua proveniência é muito clara, é um confisco de guerra”, diz o historiador de arte Bénédicte Savoy, co-autor de um relatório sobre restituições encomendado pelo Eliseu, à AFP.

A restante viagem do tambor é mais fácil de reconstituir. Deixado no jardim do palácio do governador em Bingerville, Costa do Marfim, foi transferido para o Musée d’Ethnographie, depois para o Musée de l’Homme no Trocadero, em 1930. Neste foi exibido numa enorme vitrina até ao final dos anos cinquenta. Nessa altura, o etnólogo Georges Niangoran-Bouah foi enviado para a Costa do Marfim para investigar a origem do tambor.

No regresso trouxe fotografias que provocaram reacções violentas entre o povo Bidjan, levando o então presidente Félix Houphouët-Boigny, a solicitar à França o tambor. O pedido, do qual não há registo oficial, ficou sem resposta. Mas, como prova do desconforto da França, o objecto raramente foi exposto depois disso.

A disputa pela posse do tambor é indicativa dos debates apaixonados que a restituição de obras de arte a África está a gerar. Até há pouco tempo excluída pelos líderes franceses, hoje é um dos instrumentos da reconquista da influência do Hexágono no continente. Desde o seu discurso em Ouagadougou, no Burquina Faso, em 2017 até ao pronunciamento de passado dia 27 de Fevereiro, apelando a uma “nova relação equilibrada com África”, Emmanuel Macron tem manifestado constantemente o desejo de abrir este debate, mesmo que isso desagrade a certos sectores da sociedade francesa.

Recorde-se que, em Novembro de 2017, o Chefe de Estado francês, num encontro com os estudantes no Burquina Faso, disse: “Quero que se verifiquem as condições para que no prazo de cinco anos seja possível a restituição temporária ou permanente do património africano em África.” A vontade de Macron apanhou todos de surpresa. Até então, a França tinha sido inflexível. Em Dezembro de 2016, o governo socialista, através da voz de Jean-Marc Ayrault, Ministro dos Negócios Estrangeiros, tinha recusado um pedido do Benim de devolução de obras de arte deste país expostas nos museus franceses em nome do princípio sacrossanto da inalienabilidade das colecções nacionais.

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