Trigo russo e ucraniano: 5 perguntas para compreender a dependência de África
Um total de 16 países dependem da Ucrânia e/ou Rússia para mais de 56% dos seus abastecimentos de trigo, com mais 26 países a terem uma dependência inferior. A África é provavelmente o continente mais afectado pela sua dependência do trigo russo e ucraniano.
1- Quais são os países mais dependentes do cereal russo e ucraniano?
As exportações de trigo representam cerca de 90% do comércio da Rússia com África, e cerca de 50% para a Ucrânia. Sendo o maior importador mundial e o maior consumidor africano de trigo, o Egipto compra 81% das suas necessidades de cereais a Moscovo (61%) e Kiev (20%), de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO). Uma dependência perigosa, reforçada pela incapacidade do Cairo de diversificar os seus laços comerciais estratégicos.
“No total, 16 países dependem da Ucrânia e/ou Rússia para mais de 56% dos seus abastecimentos de trigo, com mais 26 países a terem uma dependência inferior. A África é provavelmente o continente mais afectado pela sua dependência do trigo russo e ucraniano”, refere Henri-Louis Védie, doutorado em economia pela Universidade de Paris-Dauphine e investigador sénior no Centro de Políticas para o Novo Sul em Rabat, Marrocos, citado pela revista Jeune Afrique.
Assim, tal como o Egipto, República Democrática do Congo, Madagáscar, Benim, Tanzânia, Senegal e Mauritânia tornaram-se dependentes do trigo do Mar Negro. Sendo o segundo maior consumidor africano de trigo, a Argélia, tal como Marrocos, aposta na diversificação das suas fontes de abastecimento, ao contrário da Tunísia e da Líbia, onde a ameaça de escassez ainda se faz sentir.
2- Pode o continente beneficiar do novo acordo entre Kiev e Moscovo?
Assinado a 22 de Julho, cinco meses após o início da guerra na Ucrânia, o consenso russo-ucraniano protege a retomada das exportações de toneladas de trigo e cereais, bloqueadas em três portos da Ucrânia. No entanto, continua a ser frágil para os países africanos beneficiarem dele no futuro imediato” tendo em conta o bombardeamento russo de Odessa no dia seguinte à assinatura do acordo.
3- Devemos esperar um impacto nos preços?
Na origem do aumento dos preços dos produtos agrícolas – particularmente dos cereais – está a crescente procura chinesa, o que fez do país o maior importador mundial. Em 2020, a China triplicou as suas compras de trigo. A sua posição nos mercados mundiais levou a um aumento dos preços, para o qual a guerra na Ucrânia também contribuiu. Apesar do acordo entre Moscovo e Kiev, os países africanos, onde a inflação fez subir os preços do arroz e da farinha em mais de 50%, não podem esperar que os preços baixem nos próximos tempos. O novo acordo entre a Rússia e a Ucrânia é sobre fornecimento, não sobre preços. Paradoxalmente, este pacto não desencadeou um aumento no preço dos cereais, mas sim no frete marítimo, que lhe está indissociavelmente ligado.
4- É possível evitar a escassez no continente?
A curto prazo, acredita-se ser necessário recorrer a novos parceiros comerciais: Canadá ou Estados Unidos. Nenhum país tem interesse em ver desenvolver-se a fome no continente africano. Contudo, a maior dificuldade para os países africanos não é a potencial escassez de cereais, mas o preço a ser pago. Se o preço continuar a subir, os países africanos mais pobres terão de temer pela sua capacidade de compra, o que poderá levá-los a reduzir a sua procura. Confiar nos recursos locais para viver sem o trigo russo e ucraniano é de facto uma das soluções de recurso postas em prática para se adaptar ao contexto de insegurança alimentar global. Nos Camarões, Costa do Marfim e Egipto, alimentos locais como a mandioca e a batata-doce têm sido utilizados para fazer pão. Sorgo e painço, ambos cultivados em África, constituem também uma alternativa credível a médio e longo prazo às importações, evitando a escassez de alimentos.
5- Que meios têm os países africanos para evitar outra crise alimentar?
Para ultrapassar estes tempos difíceis, os especialistas aconselham a que se tira lições de experiências anteriores. A pandemia tornou claro que os países africanos estão dependentes da produção estrangeira. A prioridade actual é o desenvolvimento de cadeias logísticas para a constituição de stocks estratégicos. Tudo deve ser desenvolvido nas proximidades, reitera o banqueiro de negócios, para quem este mecanismo fiável permitirá a África manter a sua soberania sobre sectores-chave. Conscientes da sua importância, os líderes africanos querem agir rapidamente sobre esta mudança de paradigma. Presente recentemente no Fórum Africano de Directores Executivos, o Presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, expressou o seu desejo de ver a dependência de África das redes internacionais reavaliada. Para fazer face à situação inflacionista, evitar faltas e avançar para a auto-suficiência, o desenvolvimento da agricultura de produção alimentar no continente parece indispensável.